ESPAÇO EDUCAÇÃO



O VOLUME, A INTENSIDADE E O LASTRO FISIOLÓGICO NA ESCOLA: UMA RELAÇÃO ENTRE O TREINAMENTO DESPORTIVO E A ESCOLA

Vítor Camarão Paiva[1]

Para o treinamento desportivo, o volume é a quantidade de treinamento expresso basicamente em duração e repetições, a intensidade é a qualidade de treinamento, caracterizada através da velocidade de execução e tempo de repouso (Dantas, 2003), já o lastro fisiológico superficialmente falando, está ligado à “memória muscular”, segundo Fleck e Kraemer (1999), Staron et al (1991), é o termo corriqueiramente utilizado para designar a capacidade que um indivíduo treinado tem em recuperar suas qualidades físicas quando retoma o treinamento após algum tempo inativo.
Partindo para uma relação mais íntima com a escola, associemos então o volume com os conteúdos escolares, a intensidade com as aulas e o lastro fisiológico com o que ficou na memória, ou melhor, com o que foi aprendido, pois segundo Alves (2003), “O aprendido é aquilo que fica depois que tudo foi esquecido”. Guardemos estas informações, pois nos serão úteis posteriormente.
Se nos fosse possível reunir todos os livros requisitados nos ensinos fundamental e médio da nossa vida escolar, o que aconteceria? Certamente precisaríamos de prateleiras e mais prateleiras para agregar esta considerável quantidade de livros que “utilizamos”, esse é o volume citado no início do texto. Agora analisemos que devido à grande quantidade de conteúdos, os alunos perpassam por um processo de aprendizagem veloz, com pouco tempo para assimilação e compreensão dos mesmos. Corroborando com esta perspectiva Werneck (2002) afirma que, “não há tempo na escola de hoje para aprofundar os conhecimentos, fixá-los com mais calma”, essa é a intensidade. Tendo em vista todas estas considerações, agora vamos buscar relembrar tudo o que foi aprendido, levando em conta a definição de Alves do que significa a palavra APRENDIDO. E aí? Foi satisfatório? E a utilidade dos conteúdos na sua vida atual? (Pare, pense e reflita). Esse é o nosso lastro fisiológico, se você ficou estarrecido após estas indagações não se preocupe, isso é normal, ou melhor, comum, isso acontece com todos que já freqüentaram a escola.
A mais pura verdade é que a quantidade satura e sobre isto Werneck (2003) nos diz que,

nosso segundo grau exige um absurdo dos estudantes, em termos quantitativos, todos devem estar aptos em todas as áreas de conhecimento, como se todos, indistintamente, tivessem grau máximo nas múltiplas inteligências pesquisadas. O resultado disso é o desânimo dos adolescentes e a completa entrega e desleixo diante de dificuldades que se apresentam como impossíveis de serem superadas.

Contudo, pior do que a quantidade invariavelmente desgastante de conteúdos em que os alunos são obrigados a aprender, ou melhor, decorar, é perceber que após noites, festas e diversões perdidas, além de reprovações e recuperações, muitos destes conteúdos estarão guardados no “baú” da inutilidade ou no do esquecimento, pois não se relacionam de forma alguma com a realidade do educando perdendo assim a sua utilidade, se você ainda duvida, eu lhe convido a relembrar assuntos como: logarítmos, seno, co-seno e tangente; nome das capitanias hereditárias; raiz cúbica; oxi-redução; nox; entre outros tantos. Não se trata de desmerecer tais conteúdos ou negar a sua importância para a sociedade, no entanto se faz necessário buscar relações com a realidade do educando, bem como aplicação para o que está sendo ensinado para um indivíduo ainda em formação, sem definição profissional em sua vida. Exemplos disto são: a matemática financeira, que nos é tão útil durante toda a vida e muitas vezes não se encaixa nos conteúdos, mas já o logarítimo tem presença garantida; estudamos a crise de 1929, tratado dos panos e vinhos, entre outros, e muitas vezes desconhecemos a história da nossa região, do nosso estado, da nossa cidade. E nesse sentido Alves (2002) é bem contundente e verdadeiro quando fala que, “Aprender por aprender é estupidez. Somente os idiotas aprendem coisas para as quais eles não têm uso”.
É fato que a educação brasileira passa por uma profunda crise que não será superada através de nenhuma receita de bolo, mas se existe alguém capaz de dar os primeiros passos para esta revolução educacional, este é o professor, mesmo diante de tantas dificuldades, ele tem o poder da palavra, da formação de opinião e para começar esta revolução factível, utilizo mais uma vez Werneck (2003),

em suma o que é inútil deve ser banido e, imediatamente, trocado por algo mais útil. Assim, os alunos sentir-se-ão mais motivados e serão mais felizes enquanto aprendem.

Voltando ao treinamento desportivo, existe um princípio chamado de interdependência volume-intensidade, que nos diz que deve haver uma relação inversa entre estes componentes, ou seja, quando o volume é alto a intensidade deve ser baixa, e quando a intensidade é alta o volume deve ser baixo. As escolas da atualidade desobedecem grosseiramente este princípio, o volume é alto, pois os conteúdos são intermináveis, a intensidade é alta, pois não há tempo de aprofundá-los e fixá-los, e à reboque deste processo não desenvolvemos o nosso lastro fisiológico, ou seja, não conseguimos aprendê-los e utilizá-los durante nossa vida. O grande problema da nossa educação resume-se numa simples questão de treinamento desportivo, será?


[1] Prof. de Educação Física, Esp. em Metodologia em Educação Física e Esporte